sexta-feira, 15 de julho de 2011

DA PARCERIA, COMO A MELHOR FORMA DE ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES HUMANAS.

Todas estas imagens refletem a atitude diferente que prevalecia no Neolítico quanto ao relacionamento entre mulheres e homens – atitude em que predominava a ligação em vez da hierarquização. Como escreve Gimbutas, ali

O mundo do mito não era polarizado em feminino e masculino, como era entre os indo-europeus e muitos outros povos nômades e pastoris das estepes. Os dois princípios se manifestavam lado a lado. A divindade masculina na forma de um homem jovem ou animal macho aparece para afirmar e fortalecer os poderes da fêmea criativa e ativa. Nenhum se subordina ao outro: complementando-se mutuamente, seu poder é redobrado. 

Muitas vezes, percebemos que a discussão sobre a existência ou não de um matriarcado, que eclode periodicamente em textos acadêmicos e populares, parece surgir mais em função do paradigma hoje prevalecente  do que em função de qualquer evidência arqueológica. Ou seja, em nossa cultura edificada sobre ideais de hierarquia e estratificação, e pensamentos do tipo “dentro do grupo” versus “fora do grupo”, diferenças rígidas ou polaridades são enfatizadas. Nosso pensamento é do tipo “se não é isto tem que ser aquilo”, marcado pela dicotomia “ou/ou”, um modelo de pensamento que os primeiros filósofos já viam com desconfiança pelo risco de nos conduzirem a uma leitura simplista e errônea da realidade. De fato, psicólogos de hoje descobriram que tal atitude sinaliza um estágio inferior de desenvolvimento emocional e cognitivo.
Mellart parece ter tentado superar essa noção ou/ou, o entrançado “se não for patriarcado, tem de ser matriarcado”, quando escreveu o seguinte: “Se a Deusa presidia a todas as atividades de vida e morte da população de Catal Huyul neolítica, de certa forma seu filho também. Mesmo que seu papel se subordinasse totalmente ao dela, o papel masculino na vida parece ter sido plenamente percebido” e “totalmente subordinado”, de novo nos vemos enredados no pressuposto cultural e linguístico inerente a um paradigma dominador: o de que as relações humanas devem se encaixar em algum tipo de ordem escalonada entre superiores e inferiores.
Contudo, comtemplado de um ponto de vista estritamente analítico ou lógico, a primazia da Deusa – e com isso a centralidade dos valores simbolizados por seus poderes de nutrição e regeneração e encarnados no corpo feminino – não leva à conclusão de que as mulheres dominavam os homens naquela sociedade. Isso fica mais evidente se fizermos uma analogia com o único relacionamento humano que, mesmo nas sociedades de dominação masculina, em geral não é conceituado em termos de superioridade/inferioridade: o relacionamento entre mãe e filho. E a forma como o percebemos pode ser um resquício da concepção pré-patriarcal do mundo. A mãe adulta, maior e mais forte, é evidentemente superior à criança, menor e mais fraca em termos hierárquicos. Mas isto não significa que normalmente a criança seja vista como inferior ou menos valiosa.
Através da analogia com esse arcabouço conceitual diferente, podemos perceber que o fato de a mulher desempenhar papel central e vigoroso na religião e na vida pré-histórica não significa necessariamente que os homens eram percebidos e tratados de forma subserviente. Isto porque tanto homens como mulheres eram filhos da Deusa, como eram filhos de chefes de família e clãs. E embora isto conferisse às mulheres grande poder, usando da analogia com o relacionamento mãe-filho dos tempos atuais, vemos que tal poder correspondia mais a responsabilidades e amor do que opressão e medo.
Em suma, diferente da visão ainda prevalecente do poder como o poder representado pela Espada – o poder de tirar ou dominar –, uma visão muito diversa do poder parece ter sido a norma naquelas sociedades neolíticas que adoravam a Deusa. Sem dúvida, a visão do poder “feminino” de nutrir e dar nem sempre era adotada, pois aquelas eram sociedades constituídas de pessoas de carne e osso, não utopias de faz-de-conta. Mas, ainda assim, esse era o ideal normativo, o modelo a ser imitado tanto por mulheres como por homens.
A visão do poder simbolizada pelo Cálice – para a qual proponho o termo poder de realização, contrapondo-se ao poder de dominação – reflete obviamente ante um tipo de organização social muito diferente daquela à qual estamos acostumados. A partir das evidências do passado examinadas até agora podemos concluir que aquela organização social não pode ser chamada patriarcal, pois não se enquadra no paradigma dominador de organização social. Contudo, e valendo-nos da perspectiva da Teoria da Transformação Cultural que vimos desenvolvendo, ela se encaixa na outra alternativa de organização humana: uma sociedade de parceria, na qual nenhuma metade da humanidade é colocada acima da outra, e nenhuma diferença é igualada a inferioridade ou superioridade.

FONTE: Eisler, Riane. O Cálice e a Espada: nosso passado, 
nosso futuro. São Paulo: Palas Athena, 2007. (pp.70-72)

A grande tese da autora é que antes da cultura patriarcal teria existido uma sociedade que era organizada da maneira mais democrática possível - pela parceria. A colaboração, a solidariedade e a cooperação davam o tom das relações pessoais em todos os âmbitos da sociedade. Só neste tipo de relação, desde o âmbito familiar,  é possível vivenciar a desejável harmonia de uma relação verdadeiramente amorosa e enriquecedora.

Veja a apresentação da obra, segundo a Editora Palas Athenas: O livro O cálice e a espada resulta de uma pesquisa que levanta evidências arqueológicas e históricas que provam ter havido, em um passado distante, sociedades pacíficas e igualitárias organizadas em torno da cooperação e do respeito. A autora expõe-nos os paradigmas da realidade contemporânea, mostrando a chocante transformação trazida por culturas de pastores nômades e guerreiros, que impuseram forma de viver baseado no poder da força. Eisler aponta-nos o caminho para um futuro viável, para o convívio de uma forma mais saudável e respeitosa, alinhando escolhas com valores de parceria - o cuidado amoroso, a inclusão e a sustentabilidade.

Eu decidi trazer esse texto para o blog porque está realmente me deixando encantada – ainda não terminei de ler o livro. Contudo, o principal motivo é que a relação de parceria, que a autora nos apresenta, é a forma de organização mais adequada ao ambiente educacional. Dá pra sentir na pele, o quanto todos saímos perdendo quando alguém se fecha e não dialoga e não expôe, não compartilha e nem lança as mãos e as ideias para contribuir na construção de um projeto comum. 

Quando a parceria não acontece, todos ficamos mais empobrecidos – o ambiente, os formadores e os formandos. Além disso, corremos o risco de nos "deformar" e não de nos "formar."

Joana Eleutério
Brasília. 16/08/2011.

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